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66 Bual propósito o então bispo auxiliar de Lisboa, Carlos Azevedo. O prelado defendia que “cada indivíduo é um problema não resolvido, um problema em aberto” e que “a religião precisa da crítica da cultura” (6). Era conhecida sensibilidade política de Artur Bual… à «esquerda». “Numa certa geração, os artistas eram predominantemente de esquerda”, lembra Clara Meneres, “mas muitos deles tinham uma sensibilidade religiosa profunda” (). A presença de padres no estrito grupo de amigos mais próximos de Artur Bual é reveladora de uma certa idiossincrasia. O padre Adelino Ascenso, missionário da Sociedade Missionária Boa-Nova no Oriente, revelou na inauguração da referida exposição que teve muitas horas de conversa com Artur Bual à volta dos quadros: “Sobre que é que falávamos? Sobre a vida. Experimentando, no meio dos relâmpagos de limpidez e transparência, a ansiedade tenebrosa de não podermos dizer o indizível. A transcendência. O Além. O sabor de uma angustiante esperança e de uma esperançosa e esperançante angústia, que ele tão bem exprimia nos seus Cristos. Eram tempos de sonho e de busca”. Com um percurso de vida que podia indiciar distância em relação à religião, Bual surpreende pela natureza religiosa da sua inspiração. Uma «religião» que é vida e experiência de relação. Bual surgirá assim como um problema “não resolvido” diante da experiência dogmatizada e moralizante da religião? “Tantas vezes”, exclama o padre Adelino Ascenso, “com a nossa tendência para explicar, analisar ou justificar, turvamos a limpidez da existência!”. O padre António Pedro Boto, atualmente na Direção do Departamento da Cultura e Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa, descreve o artista como quem “se liberta da caducidade material porque aquilo que quer e anseia é encontrar o sentido verdadeiro do que se vê, e isso vai muito além do finito e projeta-se... A arte de Bual deixa transparecer a certeza do invisível”. A formação artística e a sensibilidade de Artur Bual têm âncora em Portugal e em França. O pintor acompanhou as décadas de acentuados paradoxos, num mundo em guerra, num país de contrastes, convulsões permanentes e liberdades oprimidas. Foi culturalmente influenciado, da liberdade de escolha artística, à escolha de um estilo livre para se projetar pela arte. Teve momentos incómodos em que não se conseguiu arrumar nos padrões artísticos do seu tempo. Terá apurado essa incompreensão na própria tela. A introdução de Bual na representação simbólica bíblica não terá fugido à que era comum num tempo marcado por uma Igreja católica moralmente dominadora, com uma teologia reinante que valorizava o sofrimento e a resignação. O pintor ter-se-á apropriado desta «cultura» religiosa, representada na devoção popular, na «realidade» que rodeava. A grelha de leitura não pode excluir este contexto. A figuração religiosa reflete a mundividência e o quadro mental por onde passou Bual, as suas obsessões, opções e indignações. A pintura é o pintor, e o pintor é também a consequência. “O simbolismo pelo qual o sagrado se manifesta está subconsciente na cultura moderna” (8), sublinha Carlos Azevedo, atualmente delegado do Conselho Pontifício da Cultura. Pela força da técnica gestualista, os Cristos de Bual são também ctónicos, têm uma força bruta e brutal, de um estado de espírito agarrado à terra e à humanidade, projetado na iconografia neotestamentária. É nestes espaços que se constroem tempos e templos de diálogo, e os aparentes paradoxos permitem aproximações. A exposição do(s) Cristo(s) de Bual na Igreja da Amadora não se realizaria noutras igrejas, com outros contextos. A iniciativa resulta da conjugação das circunstâncias locais, de proximidade. Um acaso que foi ocasião, como acontece na dinâmica religiosa. Manuel Clemente reconhece, por via da secularização, dificuldades no diálogo entre a fé e a cultura, mas também vislumbra a “consciência de que

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