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bualRevisitado110414

na escuridão, na densidade do lugar. Acendi a luz. Olhei em redor. Muitas dezenas de telas, de pedaços de vida, retalhos de sonho. Encostado à parede, um Cristo disforme que me mirava, inquieto e sereno. E eu ali fiquei, a olhar e a dialogar com aquele Cristo encostado à parede. “As mãos no lume... e na parede A sombra do meu amigo” São palavras do japonês Basho, o “poeta vagabundo”, o “viajante do eterno”, que viveu no século XVII (1644-1694). Recordo, também, com calor, o dia da minha ordenação sacerdotal na Sé de Leiria. O Artur ali estava, junto à coluna, de pé, como que a querer estar ainda mais perto, quando já estava tão perto... É que a amizade é excessiva, não tolerando limites nem limitações. É como copo que quer transbordar. E nós, tantas vezes, não permitimos que o copo transborde! Quando se lê um poema, lê-se o poeta; quando se vê uma pintura, vê-se o pintor. Porque, como dizia o japonês D. T. Suzuki, “quando pintamos um bambu, esquecemo-nos de nós e transformamo-nos em bambu.” Assim, entendo o que o Artur Bual queria significar quando dizia, “os meus quadros mais bem vendidos são aqueles que ofereço.” O Bual “vendeu” muitos quadros bem vendidos. A sua generosidade era bem conhecida. Era uma das suas formas de se dar, de se doar. E esta magia de se doar era, nele, de uma pureza exuberante. Tantas vezes, na nossa tendência para explicar, analisar, justificar, turvamos a limpidez da existência! A amizade espraia-se nessa limpidez, nessa naturalidade, nessa profundidade, nesse mistério. Um encontro, um momento único na eternidade: não se repete nem se desvanece com o tempo. Depois de tal encontro, nunca mais seremos os mesmos. Depois de vibrarmos, de sermos ungidos por tais encontros, iluminados por tais relâmpagos que nos lavam o coração – os “amigos da alma”, utilizando palavras do Eugénio de Andrade –, nunca mais o tempo terá o mesmo significado. Sabendo que o terminar é um começar, encerro esta minha homenagem ao amigo Artur com mais um haiku do grande Basho: “Admirável aquele cuja vida é um contínuo relâmpago” Adelino Ascenso 39 Bual

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